Ir pra aula de música é algo que me traz muita alegria pelo motivo óbvio de desenvolver musicalidade aprendendo um instrumento. Entretanto, eu não dirijo. Então preciso de transporte público pra me deslocar até a escola de música. Não que isso seja um problema, eu até gosto de andar de ônibus e não esquentar a cabeça com trânsito, estacionamento, etc. Mas minha alegria por tirado notas boas se perdeu em meio a miniviolência que toda mulher que usa transporte público parece destinada a sofrer.
Eu costumo preferir esperar pelo ônibus mais vago. Hoje a sinusite em crise me fez optar pelo primeiro ônibus que viesse. O começo da viagem foi ok. A medida que o ônibus saía do centro da cidade e se aproximava da região na qual moro, o ônibus ficava cada vez mais lotado. Notei uma pessoa perto de mim, mas não dei atenção. Comecei a sentir muito próximo, a pessoa friccionando parte do corpo dela em mim a cada freio do ônibus. Olhei ligeiramente pelo reflexo do vidro fumê e me pareceu uma mulher. Tudo bem. Deixa pra lá. A fricção continuou e olhei pro lado. Era um homem com uma ereção visível na bermuda de tactel ridícula que ele usava. Olhei pra cara dele com raiva. Ele botou a mochila que carregava na frente e mudou de lugar.
Eu fiquei com ódio. Pensei em gritar, armar um barraco, pisar com força em cima do pé, enfiar uma caneta no pênis ou dar um singela cotovelada na cabeça quando passasse pra descer do ônibus. Não fiz nada. Gelei. Um misto de choque e nojo me impedia de querer memorizar o rosto do homem pra denunciar o assédio. Eu só queria descer do ônibus e ir pra casa. "Eu sou só mais uma que viveu isso. Várias vivem situações muito piores", pensei. E me percebi no mesmo estado em que várias mulheres no mundo que não reagem, que se sentem entorpecidas diante de violência sexual mesmo querendo fazer um escândalo. Parafraseando a Clara Averbuck, também virei estatística.
Adianta denunciar à polícia? Não tenho nenhum vestígio de violência no corpo, apesar de que esfregar a genitália em outra pessoa constituir uma violência e segundo muito se fala na mídia, só a minha palavra basta. Mas vamos encarar a realidade? Em média, 135 mulheres foram sexualmente violentadas todos os dias só em 2016 e tem menos de 7 mil pessoas cumprindo pena por estupro. Tendo isso em mente, mesmo se eu denunciasse, mesmo se ele fosse preso, era bem capaz de algum juiz mandar soltar o nojento no dia seguinte alegando que "não houve constrangimento".
O mundo é misógino. Mulheres são educadas a andar de cabeça baixa e se calar. E foi exatamente o que eu fiz, tive medo de ser vista como mentirosa e louca e só me dei conta disso agora, horas depois do que aconteceu. E é justamente por isso que eu escrevo aqui. Se você sofreu violência, não importa o lugar, o horário ou o agressor, denuncie. Faça um escândalo, chame atenção onde você estiver. Não faça o que eu fiz. Eu mesma não ficaria calada se pudesse ter agido racionalmente naquele exato momento. Se o seu caso for mais grave que o meu, não guarde pra si mesma o que aconteceu, não se culpe e nem duvide de si mesma. Denuncie, divida com alguém, procure ajuda. Essas violências, sejam elas pequenas ou grandes, ficam marcadas durante a vida toda. Eu bem sei disso. Mas essa outra história fica pra outro dia.